29 abril 2008

Pôr ordem na confusão

A julgar pelos comentários do post anterior, lancei mais confusão do que esclarecimento. Vamos ver se consigo por ordem na confusão... Basicamente, a industria dos videojogos vive no mundo da lua. O post anterior e este estão relacionados com as experiências que vivi nestes últimos dois anos, do que li em fóruns, dos dados que obtive, de conversas que tenho.

Os developers

Os developers são empresas cujo objectivo é desenvolver jogos. As companhias de grande dimensão contratam barbaramente jovens esperançosos do seu lugar ao sol. Produzem tudo, aumentando em muito os custos associados ao desenvolvimento. Em qualquer outra industria, as empresas de pequena dimensão deveriam servir-se da sua agilidade para ombrear com as grandes, mas não, copiam os erros, que não sendo graves (apenas caros) para uma grande empresa, são um tiro suicida para qualquer empresa pequena.

E o que fazem as empresas pequenas de errado? Primeiro contratam à bruta, fiando-se em exclusivo dos contratos que fazem com editoras. Qualquer gestor vos dirá que não é bom depender de um cliente... porque é que as pequenas empresas o fazem? Na esperança de garantir mais contratos e mais trabalho, contratam para não cairem em incumprimento e depois falta-lhes irremediavelmente a estrutura para o aumento de custos porque são dependentes no dia-a-dia.

As editoras

As editoras são vistas ou como um mal necessário ou como um inimigo mortal. Em qualquer outra industria, a figura da editora seria a de um parceiro de negócio, mas as próprias editoras têm um certo distanciamento em relação aos developers, o que é francamente estranho, considerando que o seu produto é criado por estes.

O problema reside no excesso de oferta, que coloca as editoras numa posição de superioridade. As editoras têm o marketing, detêm o mercado. Os developers, normalmente mais pobrezitos, não.

Os freelancers

Um dos melhores métodos para rivalizar com as questões anteriormente apresentadas é a contratação de freelancers. O problema é que há sempre a tendência de se julgar o livro pela capa: ou é porque é amigo, ou é porque é muito bom, ou é porque é muito barato. Não ouvi NUNCA ninguém dizer: quero contratar este porque é um profissional exemplar, o que se traduz na prática por dizer que é tecnicamente capaz, eficiente e tem um preço justo.

Consigo contar pelos dedos de uma mão os freelancers profissionais exemplares com quem trabalhei até hoje em gamedev e estranho... eram todos caros... muito caros. Se a qualidade se paga em todo o lado, porque é que no gamedev é melhor pagar pouco porque é amigo, bom ou barato quando no fim a qualidade do trabalho em todos os seus aspectos (produto final, prazos e custos) é francamente inferior?

A indústria

O ano do grande boom do mainstream dos videojogos, foi também o ano em que as editoras mais cresceram e que estúdios mais fecharam. Se isto não é indicativo de uma indústria imatura... não sei o que será.

Na minha opinião, o problema está em não se reconhecerem os problemas. Os atrasos inconsequentes, os budgets mal calculados, a incapacidade de inovar, a cegueira do lucro fácil em vez da margem sustentada. Ninguém que eu conheça está com vontade de mudar isto.

Existem developers que estão a abordar estas questões mantendo empresas pequenas com projectos sustentados, subcontratando ou passando o ónus da subcontratação aos seus parceiros preferenciais: as editoras. Nestes casos, todos os intervenientes fazem parte da solução.

A falta de core business ou de missão

As empresas que desenvolvem tecnologia não dão suporte. As empresas que desenvolvem jogos não estão focadas no mercado. As empresas que os editam não estão focadas nos seus parceiros.

Depois há as empresas que querem fazer tudo, mas dessas, leiam nas revistas o que estão a fazer: ou fecham ou dividem a empresa em várias áreas... interessante...

O futuro

Os futuros developers acham que vão ter, sem portfolio, a oportunidade de uma vida quando acabarem um curso qualquer. E têm razão. Nem é preciso sorte... têm a porta aberta para ir fazer uma textura de uma caixa de cartão ou o código para um botão num menu. Garanto-vos eu! E pelo que tenho lido nalguns fóruns, quando estiverem fartos de serem lixados pela indústria, vêm para o lado independente com manias de grandeza e de conhecimento adquirido.

Outros porém, com alguma experiência (mesmo que patética) na vida profissional, mandam bitaites sobre se pagar pouco em Portugal e levantam questões sobre os contornos contratuais sem nunca terem colocado as nalgas numa empresa portuguesa de gamedev... isto é do mais lírico que me consigo lembrar.

É este o futuro que temos? Já estamos todos com o rei na barriga é? Aqui fica o meu conselho... querem trabalhar em jogos, façam-nos ou aceitem as condições que vos propõem ou não chateiem a molécula.

Um ciclo infindável

O ciclo é típico de toda a industria de videojogos, basta ver que na maior parte das revistas da especialidade há caixas ou páginas ou secções dedicadas aos jogos que estão atrasados e artigos dedicados aos derrapes financeiros, etc.

A industria mainstream dos videojogos está a arrancar AGORA. Os AAA para gamers são um mercado de culto, não são para toda a gente. A grande diferença é que ao contrário de outros mercados marginais de culto, este é que tem altos custos de produção. Seria interessante observar se se está a aprender com os erros do passado, mas não. Quem está a começar já vem ceguinho com a mania da grandeza dos estabelecidos. É como se fazer as mesmas asneiras e sofrer as consequências das mesmas auferisse estatuto, mas não. Queremos todos fazer super jogos, super caros, super atrasados, super copiados para 10 milhões de utilizadores quando podíamos estar a fazer o nosso projecto para 1 bilião e só estou a contar com Europa, EUA e restantes Américas. Será que ainda ninguém viu isto? Se sim, porque é que se gasta dinheiro na mesma fórmula quando há um filão por explorar?

De quem é a culpa? De todos nós. Adorava ter 1000 euros por cada vez que ouvi a frase "Isso é normal acontecer" referente a um atraso ou "Eu até comprendo" referente a alguém que não cumpriu com o que se comprometeu. O motivo do meu desabafo é que eu não compreendo e eu não acho normal isso acontecer, mas no jogos, toda a gente acha isto natural.

É preciso mudar, mas não há muitos dispostos a mudar. Isto é uma espécie de hobby que até dá dinheiro. Encarar tudo isto com profissionalismo e objectividade dá o mesmo trabalho e o mesmo gozo mas dará também melhores frutos.

3 comentários:

DiogoNeves disse...

Discordo com a última frase :P pelo que oiço por aí, profissionalismo dá menos trabalho :D
Ora vejamos... existe umas certas e determinadas empresas em que os trabalhadores se gabam de que chegam a trabalhar mais de 100hrs por semana (façam as contas ao tempo que não viveram! sim, porque quando forem velhinhos vão querer voltar atrás para aproveitar a vida de outra forma!). Tenho aqui um livrito, bem conhecido por sinal, em que o autor refere algumas vezes que nesta indústria trabalha-se imenso tempo e chega-se ao cúmulo de nem se ter dia de natal! Isto é parvo!

Eu admito, sempre fui daqueles com sonhos lá bem em cima! Mas era porque só via uma coisa, a partir do momento em que me deixei contagiar por mais do que uma perspectiva (a dos fóruns) deixei-me de parvoíces lol!
Sinceramente, ainda tenho os meus "dream projects" na cabeça lol mas agora sim, posso dizer que se os fizer é como hobby porque, trabalhar em jogos, profissionalmente, só vejo futuro nos jogos casuais! Mas acho que os casuais também têm muito para evoluir e mudar!

Resumindo... agora começa-se realmente a ver pessoas a olhar para os jogos como um negócio e não um brinquedo tecnológico que aumenta a quantidade dos pelos de quem os faz, principalmente se feitos em C++! lol
Ainda há muito por explorar e muitos caminhos por descobrir e isso deixa-me alegre, alegre porque sei que vou viver durante a época de ouro que aí vem ;)

Quanto ao resto do post... que mais posso dizer... não acho que estejam todos mal mas conta-se pelos dedos de 1 mão as empresas grandes desta indústria que sabem o que estão realmente a fazer!

PS: AHH só para que não me interpretem mal, quando digo que os casuais são o futuro, não estou a dizer que daqui a uns anos todos jogamos match3! lol simplesmente os jogos terão de ser feitos a pensar na globalidade! A sério que não troco por nada deste mundo a sensação de saber que faço/jogo os jogos que toda a minha família gosta :D Sim, porque a minha mãe está viciada em Balloon Bliss! lol
(a ver se ela aparece por aqui... anda desaparecida pá! lol)

Tadeu_o_fartador disse...

grande post vlad, mesmo muito bom , ha algumas cenas que nao concordo , mas correspondem a 3% do post. Grande leitura.

Raistlin disse...

Grande post, obrigado por me ajudares a pôr alguma ordem na cabeça quanto a isto.